Mas se cada crença está fragilizada e é contestada, então a descrença, em si mesma, é contestável. Se o crente é assaltado pela dúvida, o descrente pode ser assaltado pela fé. Mesmo os ateus podem ser surpreendidos ao descobrirem a si mesmos tentando acreditar. Apesar do barulho agitado das espadas dos fundamentalistas -- quer dos cristãos ou dos novos ateus -- o cenário de uma era secular é um meio-termo bagunçado, em que somos espirituais mas não religiosos. A nossa assim chamada era "secular" é um tempo caracterizado não tanto pela descrença, mas pela explosão de milhares de maneiras diferentes de se crer, onde até os ateus querem ser devotos.
Então o que faz da nossa era uma era "secular" não é que seja uma era de descrença, mas uma na qual nossas crenças são contestadas e frágeis - e, no entanto, não conseguimos deixar de crer. O escritor David Foster Wallace capturou esse sentido em seu famoso discurso inicial no Kenyon College:
Nas trincheiras do dia-a-dia da vida adulta, não existe essa coisa de ateísmo. Não existe essa coisa de não-adoração. Todos adoram algo. A única escolha que nós temos é o quê adorar. E a razão irresistível para talvez escolher algum tipo de deus ou alguma coisa do tipo espiritual para adorar - seja JC ou Alá, seja YHWH ou a Deusa-Mãe Wiccan, ou as Quatro Nobres Verdades, ou algum inviolável grupo de princípios éticos - é que praticamente tudo o mais que você adoraria seria capaz de te devorar vivo.
Então, que futuro existiria para a religião em uma era secular? Dada a abrangência do tema, vamos focar especificamente no futuro do Cristianismo na América.
Prever o futuro do Cristianismo primeiro requer certo trabalho genealógico: Como chegamos aqui? A este respeito, Taylor salienta uma tendência particular do Cristianismo moderno que tem tido um impacto significativo nas expressões contemporâneas, particularmente no Evangelicalismo. Taylor a descreve como uma dinâmica da "excarnação".
O termo é deliberadamente provocativo, contrariando um dogma central da fé cristã chamado "encarnação" - a ideia de que Deus tornou-se humano, feito em carne. Esta é a realidade que os cristãos celebram no Natal: que o Deus eterno e imaterial condescendeu a tornar-se corpo, carne, matéria. Esta noção de encarnação é a base do tradicional entendimento cristão dos sacramentos - a convicção de que a substância material e encarnada medeia o eterno e divino. Assim, em adição à convicção de que o Jesus humano incorpora Deus, os cristãos têm também enfatizado que a criação em si mesma é encantada pela presença do Espírito.
Mas uma das consequências involuntárias da Reforma Protestante, argumenta Taylor, foi o desencantamento do mundo. Críticos da maneira como o entendimento sacramental, encantado, do mundo tinha degenerado em mera superstição, os Reformadores enfatizaram a simples escuta da Palavra, a mensagem do Evangelho e a árida simplicidade do culto cristão. O resultado foi um processo de excarnação - desincorporando o culto e a religião, tornando-a um assunto "mental" que poderia ser resumido à mensagem e compreendido com a mente. Como eu descrevi em outro lugar, a religião ficou reduzida a algo para cérebros afiados.
A espiritualidade das pessoas espiritualizadas-mas-não-religiosas frequentemente imita este tipo de religião excarnada, muitas vezes sem o perceber. Nossa espiritualidade de autoajuda é notavelmente "protestante", poderia-se dizer. Dá-nos uns poucos aforismos inspiradores, uns poucos "pensamentos-do-dia" para nos levar através das dificuldades, um par de frases pungentes ao lado dos nossos copos da Starbucks e esta é a mensagem que nós precisamos para nos manter significativamente vivos. Esta é a espiritualidade feita à medida de seres pensantes que habitam um universo desencantado.
Por que isso importa para o futuro do Cristianismo? Porque agora que o mundo inteiro tem sido desencantado e nós temos sido encapsulados em uma "natureza" achatada, eu espero que existirão formas de re-encantar o Cristianismo que realmente terão futuro. A excarnação protestante basicamente cedeu sua função a outros: se você está procurando uma mensagem, uma ideia inspiradora, algum combustível de primeira categoria para o seu receptáculo intelectual - bem, existe uma indústria cultural inteira feliz para te proporcionar isso. Por que você precisaria da igreja? Você pode assistir Ellen ou Oprah ou uma palestra TED.
Mas o que poderá impedir as pessoas -- o que poderá verdadeiramente assombrá-las -- serão encontros com comunidades religiosas que têm clarabóias perfuradas no nosso céu de bronze. Será comunidades de desenho de cristãos "tradicionais" sobre os poços de histórico, "encarnar" o culto cristão, com seus cheiros e sinos em toda a sua Gothic-estranheza que encarnam uma espiritualidade que carrega whiffs de transcendência que serão estranhos e, portanto, atraentes. Eu não faço nenhuma afirmação de que essas comunidades serão grandes movimentos de massa ou populares. Mas eles vão crescer justamente porque sua antiga prática de encarnação é uma resposta aos retornos decrescentes da espiritualidade "excarnada".
E quando o mingau ralo da espiritualidade "faça você mesmo" acaba por se tornar isolamento, somente, e incapaz de suportar crises, a multidão "espiritual mas não religiosa" pode encontrar-se surpreendentemente aberta para algo completamente diferente. De maneiras que nunca poderiam ter previsto, alguns vão começar a se perguntar se a "renúncia" não é o caminho para a totalidade, se a liberdade pode ser encontrada no dom de constrangimento, e se os estranhos rituais do culto cristão são a resposta para as suas maiores aspirações humanas. A assombração do secular será mútua, poderíamos dizer.
O que as comunidades cristãs precisam cultivar em nossa "era secular" é uma paciência fiel, e mesmo receber a era secular como um presente para renovar e cultivar um Cristianismo encarnado, encorpado, robustamente ortodoxo que sozinho parecerá uma alternativa genuína ao "espiritual".
Então o que faz da nossa era uma era "secular" não é que seja uma era de descrença, mas uma na qual nossas crenças são contestadas e frágeis - e, no entanto, não conseguimos deixar de crer. O escritor David Foster Wallace capturou esse sentido em seu famoso discurso inicial no Kenyon College:
Nas trincheiras do dia-a-dia da vida adulta, não existe essa coisa de ateísmo. Não existe essa coisa de não-adoração. Todos adoram algo. A única escolha que nós temos é o quê adorar. E a razão irresistível para talvez escolher algum tipo de deus ou alguma coisa do tipo espiritual para adorar - seja JC ou Alá, seja YHWH ou a Deusa-Mãe Wiccan, ou as Quatro Nobres Verdades, ou algum inviolável grupo de princípios éticos - é que praticamente tudo o mais que você adoraria seria capaz de te devorar vivo.
Então, que futuro existiria para a religião em uma era secular? Dada a abrangência do tema, vamos focar especificamente no futuro do Cristianismo na América.
Prever o futuro do Cristianismo primeiro requer certo trabalho genealógico: Como chegamos aqui? A este respeito, Taylor salienta uma tendência particular do Cristianismo moderno que tem tido um impacto significativo nas expressões contemporâneas, particularmente no Evangelicalismo. Taylor a descreve como uma dinâmica da "excarnação".
O termo é deliberadamente provocativo, contrariando um dogma central da fé cristã chamado "encarnação" - a ideia de que Deus tornou-se humano, feito em carne. Esta é a realidade que os cristãos celebram no Natal: que o Deus eterno e imaterial condescendeu a tornar-se corpo, carne, matéria. Esta noção de encarnação é a base do tradicional entendimento cristão dos sacramentos - a convicção de que a substância material e encarnada medeia o eterno e divino. Assim, em adição à convicção de que o Jesus humano incorpora Deus, os cristãos têm também enfatizado que a criação em si mesma é encantada pela presença do Espírito.
Mas uma das consequências involuntárias da Reforma Protestante, argumenta Taylor, foi o desencantamento do mundo. Críticos da maneira como o entendimento sacramental, encantado, do mundo tinha degenerado em mera superstição, os Reformadores enfatizaram a simples escuta da Palavra, a mensagem do Evangelho e a árida simplicidade do culto cristão. O resultado foi um processo de excarnação - desincorporando o culto e a religião, tornando-a um assunto "mental" que poderia ser resumido à mensagem e compreendido com a mente. Como eu descrevi em outro lugar, a religião ficou reduzida a algo para cérebros afiados.
A espiritualidade das pessoas espiritualizadas-mas-não-religiosas frequentemente imita este tipo de religião excarnada, muitas vezes sem o perceber. Nossa espiritualidade de autoajuda é notavelmente "protestante", poderia-se dizer. Dá-nos uns poucos aforismos inspiradores, uns poucos "pensamentos-do-dia" para nos levar através das dificuldades, um par de frases pungentes ao lado dos nossos copos da Starbucks e esta é a mensagem que nós precisamos para nos manter significativamente vivos. Esta é a espiritualidade feita à medida de seres pensantes que habitam um universo desencantado.
Por que isso importa para o futuro do Cristianismo? Porque agora que o mundo inteiro tem sido desencantado e nós temos sido encapsulados em uma "natureza" achatada, eu espero que existirão formas de re-encantar o Cristianismo que realmente terão futuro. A excarnação protestante basicamente cedeu sua função a outros: se você está procurando uma mensagem, uma ideia inspiradora, algum combustível de primeira categoria para o seu receptáculo intelectual - bem, existe uma indústria cultural inteira feliz para te proporcionar isso. Por que você precisaria da igreja? Você pode assistir Ellen ou Oprah ou uma palestra TED.
Mas o que poderá impedir as pessoas -- o que poderá verdadeiramente assombrá-las -- serão encontros com comunidades religiosas que têm clarabóias perfuradas no nosso céu de bronze. Será comunidades de desenho de cristãos "tradicionais" sobre os poços de histórico, "encarnar" o culto cristão, com seus cheiros e sinos em toda a sua Gothic-estranheza que encarnam uma espiritualidade que carrega whiffs de transcendência que serão estranhos e, portanto, atraentes. Eu não faço nenhuma afirmação de que essas comunidades serão grandes movimentos de massa ou populares. Mas eles vão crescer justamente porque sua antiga prática de encarnação é uma resposta aos retornos decrescentes da espiritualidade "excarnada".
E quando o mingau ralo da espiritualidade "faça você mesmo" acaba por se tornar isolamento, somente, e incapaz de suportar crises, a multidão "espiritual mas não religiosa" pode encontrar-se surpreendentemente aberta para algo completamente diferente. De maneiras que nunca poderiam ter previsto, alguns vão começar a se perguntar se a "renúncia" não é o caminho para a totalidade, se a liberdade pode ser encontrada no dom de constrangimento, e se os estranhos rituais do culto cristão são a resposta para as suas maiores aspirações humanas. A assombração do secular será mútua, poderíamos dizer.
O que as comunidades cristãs precisam cultivar em nossa "era secular" é uma paciência fiel, e mesmo receber a era secular como um presente para renovar e cultivar um Cristianismo encarnado, encorpado, robustamente ortodoxo que sozinho parecerá uma alternativa genuína ao "espiritual".
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ORIGINAL TEXT
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# What Is The Future Of Religion? - The Future of Religion in a “Secular” Age
http://www.slate.com/bigideas/what-is-the-future-of-religion/essays-and-opinions/the-future-of-religion-in-a-secular-age
ORIGINAL TEXT
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# What Is The Future Of Religion? - The Future of Religion in a “Secular” Age
http://www.slate.com/bigideas/what-is-the-future-of-religion/essays-and-opinions/the-future-of-religion-in-a-secular-age
Tradução Livre: @DanielDliver