30 de setembro de 2009

Igreja e Reino de Deus

Você vê a igreja como sendo um subconjunto do Reino de Deus, ou a vê como dois conjuntos com um tipo de intersecção?


Dallas Willard responde:




28 de setembro de 2009

Crise de Identidade



Falar de formação espiritual é falar de impactar e mudar o mundo, e não estabelecer métodos e programas eclesiásticos para o crescimento das igrejas.


Nós, seres humanos, passamos por muitas crises. Mas são as crises de identidade que nos fazem experimentar um dos mais delicados momentos da nossa vida. Qualquer pessoa saudável emocional e existencialmente passa por uma crise de identidade, na qual a maneira como nos percebemos e somos percebidos sofre profundas alterações. As forças comuns propiciadoras do equilíbrio são abaladas; o chão nos foge dos pés; uma certa angústia vinda de um sentimento de vazio se instala; as respostas, as certezas, são engolidas pelas dúvidas; um flerte com a frustração, a tristeza e a depressão se mistura a um namoro com a esperança, o odor de novos ares, a silhueta de novos horizontes.


Os chineses têm razão quando escrevem a palavra crise com dois ideogramas, um representando “perigo”, e outro, “oportunidade”. São exatamente estas as duas sementes contidas numa crise de identidade: o perigo de nos perdermos e cristalizarmos quem somos, repetindo automaticamente erros, ou a oportunidade de nos reinventar, superar limitações, corrigir rumos, sair da periferia e vir para o centro. Este segundo processo é capaz de equilibrar tudo em nós e nos religar à nossa vocação mais original.


Não só as pessoas, mas também os grupos humanos sofrem crises de identidade. Quando olhamos para trás, vemos na história da Igreja momentos quando ela entrou em crise de identidade. Somente para citar alguns exemplos, foi assim com o nascimento do monasticismo, no século 4; com a Reforma Protestante, em 1517; e com a eclosão do pentecostalismo, no início do século passado. Todos esses e outros movimentos marcados simultaneamente pelo perigo e pela oportunidade tinham algo em comum: eles clamaram por um retorno à identidade essencial da Igreja. Queriam respostas a questões cruciais, como qual a razão de ser da Igreja? O que essencialmente é sua identidade? Para que existe? Em busca dessas respostas, confesso, um dia já cheguei a me perguntar se Jesus realmente quis a Igreja! Qualquer leitura rasa dos evangelhos vai nos mostrar que o centro da pregação, da vida, da morte e da ressurreição de Jesus foi o Reino de Deus. Ele nos ensinou a orar dizendo “venha o teu Reino” e não “a tua Igreja”. Será que Jesus sonhou o Reino e o que veio foi a Igreja?


A verdade é que Jesus também quis a Igreja. É claro que ele não idealizou prédios maravilhosos, líderes com habilidades gerenciais ou estruturas complexas consumidoras de recursos e energia na manutenção de programas que acontecem sem a necessidade de sua própria presença. Em seu projeto de Igreja, ele concebeu uma comunidade de discípulos que se reunia para adorá-lo e renovar as forças para viverem sua missão transformadora deste mundo. Esta é a conspiração divina iniciada por Jesus: discípulos cheios do Espírito Santo, imersos nas dores deste mundo, sendo instrumentos da concretização do Reino de Deus. Esta é a identidade original da igreja; é para isso que ela existe.


Mas o que aconteceu com este sonho? Uma autêntica busca de resposta a esta pergunta vai nos levar, como Igreja, a uma saudável crise de identidade. Muitas vezes, a resposta do que somos está no passado – daí a necessidade de fazer os retornos necessários. Porém, existimos no presente caminhando para o futuro, e precisamos fazer as atualizações necessárias. O caminho de retorno ao ideal perdido do Corpo de Cristo nos exige, em primeiro lugar, uma redefinição da Igreja como uma comunidade relacional e geradora de autênticos discípulos. A Igreja precisa ser um centro de formação espiritual que irradia a vida do Reino de Deus para o mundo. Por outro lado, é fundamental redefinir o que é o discipulado: um processo de formação espiritual que nos convida a ser uma encarnação histórica desse Reino. Falar de formação espiritual é falar de impactar e mudar o mundo, e não estabelecer métodos e programas eclesiásticos para o crescimento das igrejas.


Por último, o papel pastoral precisa ser necessariamente revisto. Na solução de sua crise de identidade, a Igreja deve superar essa dinâmica pedagógica passiva na qual se vai à igreja para ouvir, e não para ser desafiado a viver. Para que voltemos a ser Igreja, precisamos de pessoas comprometidas com Deus em se tornarem pais, mães, mentores espirituais e agentes de formação cristã, amando mais os indivíduos do que as multidões – embora estas sejam resultado abençoado do investimento em pessoas –, e que, consequentemente, recusem-se a ser meros animadores de auditório ou líderes gerenciais de grandes projetos.


Que uma santa crise de identidade venha sobre todos nós, fazendo-nos protagonistas de um retorno ao sonho original de Reino de Deus que transforme nossas igrejas em centros de formação espiritual.


Eduardo Rosa Pedreira,
Presidente do Renovaré Brasil

16 de setembro de 2009

Ambientalismo Espiritual

A última dinâmica do projeto divino é a harmonia no ciclo vital. Isso nada mais é que a consciência do processo constituído por nascimento, vida e morte. É enriquecedor chegar à conclusão de que a maior parte de nossa vida deve ser dedicada à preparação da próxima geração. Cada geração está diretamente ligada à anterior e à que a sucederá. O processo que culmina em nossa substituição começa desde que nascemos.

Quando há um relacionamento saudável dentro do ciclo vital, cria-se um sentimento altruísta de se doar, de entrega pessoal. Quanto mais uma pessoa se concentra na própria vida, menos ela se preocupa em doar-se aos outros. Só há uma maneira de os templos permanecerem cheios ao longo das gerações: as igrejas devem viver, morrer e nascer de novo, num ciclo permanente. Logo percebemos que a igreja não é a mesma que era há vinte anos, ou mesmo há quarenta anos. Para produzir o tipo de impacto sobre a história humana que Deus deseja, precisamos nos conscientizar de que esse ciclo vital é justo e necessário. No fim, a questão não é tanto de prolongar ou perpetuar nossa vida, e sim de promover a vida do próximo.

O exemplo mais inspirador que a natureza fornece é o do salmão que nada contra a corrente, rio acima, com o propósito único de dar origem a uma nova geração, mesmo que isso lhe custe a vida. Não tenho muita certeza se o instinto diz ao salmão que chegou a hora de morrer ou que ele precisa trazer ao mundo uma nova geração ao custo da própria vida, mas sei que até a natureza declara que a vida e a morte são inseparáveis.


Não é muito diferente com a igreja. Jesus nos lembra o seguinte: a não ser que uma semente morra, ela não pode produzir vida. Ele nos diz que a única maneira de vivermos é abrindo mão de nossa vida. Não deveria ser surpresa para nós o fato de que, quando a igreja desperta para um éthos apostólico, ela assume o compromisso de se entregar para que as outras pessoas possam viver.

Uma das coisas mais difíceis do mundo para um médico deve ser a obrigação de dizer a uma pessoa que ela está morrendo. Às vezes, o tratamento é ministrado apenas para aliviar parte do sofrimento, atuando apenas sobre os sintomas. Temos a tendência de fazer o mesmo com a igreja. A verdade é que, se as igrejas demoram muito a morrer para si, significa que elas estão fazendo o possível para se assegurar de que morrerão apenas quando lhes for conveniente.

Uma igreja próxima à região praiana de Santa Mônica, nos Estados Unidos, reúne todas as semanas seus dez membros remanescentes, cuja média de idade é de, no mínimo, 70 anos. Eles não podem decidir o que fazer. Estão paralisados pelo medo da morte e pela falta de vida. Em todo o país, igrejas que antes chegavam a uma frequência superior a mil pessoas deixaram de existir. Literalmente. O ciclo vital é uma coisa curiosa: não importa a maneira como a pessoa aborda essa questão, o resultado é o mesmo — ela morre. Se você, desde cedo, morre para si e celebra o dom da vida, encontra a alegria mesmo na morte. Nosso futuro não está em nossa preservação, mas naquilo em que investimos.

Não acho que seja apenas obra do acaso o fato de “igreja” ser um substantivo feminino, e não masculino. Ela é a noiva de Cristo, e ele é o noivo. A noiva abre mão de seu nome quando se casa com o noivo. Os nomes de nossas igrejas — a identidade que elas possuem como comunidades locais distintas — precisam ser assimilados pelo único nome que importa, o nome de nosso Senhor Jesus Cristo. Uma grande sensação de liberdade me invade por saber que a Mosaic está aqui e um dia vai passar; que, um dia, uma nova geração talvez descubra que as estruturas e os estilos que escolhemos devem ser enterrados; que o noivo precisa continuar a contar com uma noiva pura e imaculada.

Precisamos viver a vida com a fidelidade que demonstraríamos se soubéssemos que Jesus está voltando hoje, mas com a consciência de que ele pode levar outros mil anos ou mais para retornar. Temos de nadar contra a corrente, seja pelo instinto que indica como nossas vidas estão se encaminhando para o fim, seja porque, de algum modo, sabemos que temos o dever de chegar ao ponto de gerar vida nova a qualquer custo. A igreja precisa se empenhar o tempo todo em dar à luz o futuro. Uma vez despertado, o éthos apostólico não tem medo da morte — pelo contrário,
ele encontra vida ao morrer para si e viver para Cristo.

Em nossa jornada de compromisso com o futuro, precisamos voltar ao princípio. Nosso destino está nas origens. Para que a igreja deixe a paralisia da instituição ela deve descobrir a própria identidade em sua essência como organismo espiritual. Esse é tanto o ponto de partida quanto o de chegada. Provavelmente, o pastor é, em primeiro lugar e a acima de tudo, um ambientalista espiritual que desperta a essência primordial da igreja.


Erwin McManus, Uma força em movimento, A espiritualidade que transforma a cultura, Garimpo Editorial, pp. 21-22

6 de setembro de 2009

Lugar de Adoração


"Não há nada de errado em observar passarinhos, pescar salmões ou fotografar orquídeas selvagens. Mas para Israel e a igreja, a observância do sétimo dia deve inserir-se em atos semanais de adoração na companhia do povo de Deus. Guardamos o sétimo dia de modo mais adequado quando entramos num lugar de adoração, nos reunimos com uma congregação, cantamos, oramos e ouvimos Deus.

Esta é a sabedoria antiga que desconsideramos por nossa própria conta e risco. Evidências amplas de várias civilizações ao longo de muitos milênios associam a formação do mundo, a criação com a construção de templos visando a adoração. A criação e organização do mundo são vinculadas continuamente à construção de um lugar de adoração e a uma ordem de adorar nele. A construção dos lugares de adoração visa "concretizar e estender a criação através da representação humana"*. Isso se faz não apenas pela oração e o louvor, mas também pela aceitação repetida dos mandamentos, das promessas e das bênçãos a fim de praticá-los na criação em que vivemos. Gosto do comentário de Garrison Keillor: "O domingo é esquisito quando não vamos à igreja pela manhã. É o momento da semana em que acertamos nosso rumo. Quando deixamos de fazê-lo, seguimos apenas o nosso próprio nariz".

Assimilamos os ritmos da criação por meio do ato de adoração no lugar e no tempo. A adoração é o meio principal pelo qual mergulhamos nos ritmos e nas histórias da obra de Deus e aprendemos o conceito apropriado do trabalho, de obra criadora. Nosso trabalho não deve ser uma improvisação confusa; antes, deve ser congruente com a maneira que Deus trabalha. E isso começa com a observância do sétimo dia: o descanso, a bênção, a consagração, sem os quais a semana da criação não está completa. Os ritmos da criação de Deus, consumados nos mandamentos para descansar no sétimo dia, são reproduzidos em nossa vida por meio de atos de adoração numa estrutura, num lugar e num templo que permitem nossa participação.

Quando nos dirigimos ao nosso lugar de adoração, adentramos, com uma visão nova e perceptiva e com o coração transformado e obediente, um mundo no qual somos a imagem de Deus participando de sua obra criadora. Tudo que vemos, tocamos, sentimos e provamos traz dentro de si os ritmos de "Disse Deus...", "e assim se fez...", "era bom...". Adquirimos a aptidão de discernir sua presença e sua glória. Mais do que nunca, ficamos profundamente à vontade dentro da criação."


Eugene H. Peterson, A Maldição do Cristo Genérico, pp. 136-137


Sim, estou consciente de que essas idéias parecem contradizer muitas outras que se lêem por aqui. Mas é isso, sou um cristão inacabado.