28 de fevereiro de 2012

Adoração: Expressão e Formação


O Fórum Colossos enfatiza a centralidade da adoração cristã como um recurso para sabedoria teológica - as práticas que "carregam" a racionalidade da tradição -, bem como o espaço em que somos conformados à imagem de Cristo, uma das principais formas pelas quais adquirimos as virtudes de Cristo (Cl 3:16). No entanto, para que essa declaração faça sentido, pode ser útil esclarecer o que entendemos por "adoração" em um sentido global.

Por "adoração", queremos dizer mais do que música ou canto. Em muitas igrejas contemporâneas, temos o hábito de falar sobre o "serviço de cânticos", como "adoração", que é um prelúdio seguido de "ensino" (i.e., o sermão) - talvez com mais uma oportunidade para "adorar com nossa doação" após o sermão. Em alguns aspectos, este estreitamento do significado de "adoração" é parte de um mau hábito que pegou após a Reforma: a tendência de reduzir adoração à expressão. Depois da Reforma, e, especialmente, na esteira da modernidade, enormes extensões do cristianismo contemporâneo tendem a só pensar em adoração como um ato "para cima" do povo de Deus que se reúne para oferecer o seu sacrifício de louvor, expressando a sua gratidão e devoção ao Pai, com o Filho, no poder do Espírito Santo.

Obviamente, isso é um impulso e uma compreensão totalmente bíblicos: se não louvarmos, até as pedras clamarão. Em certo sentido, somos feitos para louvar. A visão bíblica da história culmina no livro do Apocalipse com uma multidão adorando a encenando a exortação do Salmo 150 para "Louvar ao Senhor!" No entanto, pode-se ver como tais compreensões expressivistas de adoração alimentam (e se alimentam de) alguns dos piores aspectos da modernidade. Culto-como-expressão é facilmente seqüestrado pelo turbilhão rodopiante do individualismo. Nesse caso, mesmo a assembléia em adoração é mais como uma coleção de encontros individuais com Deus, na qual os fiéis expressam uma devoção "interior".

Mas ao longo da história cristã (incluindo a Reforma), o culto foi sempre entendido como mais do que expressão. O culto cristão é também uma prática formativa, precisamente porque a adoração é também um encontro "para baixo", no qual Deus é o ator principal. A adoração não é apenas algo que fazemos, ela faz algo em nós. A adoração é uma prática comunitária que é uma daquelas "habitações do Espírito" descritas por Craig Dykstra: um ritmo tangível, incorporado, comunitário, que é um canal para o poder transformador do Espírito. Adoração é um espaço onde somos alimentados pela Palavra e pelo sacramento; nós comemos a Palavra e comemos o pão que é a Palavra da Vida.

É por isso que, durante séculos, os cristãos têm descrito a adoração como um encontro "sacramental" , um lugar onde o Deus transcendente nos encontra em elementos tangíveis e táteis do pão e do vinho e da água e da Palavra. A Palavra e os sacramentos são especialmente espaços "carregados" de poder formativo do Espírito, razão pela qual a forma da adoração é importante. Estes não são apenas canais através dos quais nós fazemos o nosso louvor a Deus, pois elas também são práticas incorporadas por meio do qual o Espírito de Deus molda nossa imaginação. A adoração cristã que está reunida em torno da Palavra e da mesa não é apenas uma plataforma para a nossa expressão; é o espaço para a (trans)formação que o Espírito opera em nós. As práticas de adoração conjunta cristã têm sobre elas uma forma específica precisamente porque esta é a maneira como o Espírito recruta-nos na história de Deus reconciliando o mundo consigo, em Cristo. Há uma "lógica" para o formato da intencional adoração cristã histórica que executa o Evangelho e vez após vez como uma maneira de formar e reformar os nossos hábitos.

Original:
http://www.colossianforum.org/2011/11/09/glossary-worship-expression-and-formation/

Love Takes Practice: Christian Worship as a Pedagogy of Desire



Para ler mais :

Shane Claiborne, Jonathan Wilson-Hartgrove, and Enuma Okoro, “Introduction” to Common Prayer: A Liturgy for Ordinary Radicals(Zondervan, 2010).

John Witvliet and Emily Brink, “Prologue” to The Worship Sourcebook (Faith Alive/Baker, 2004).

James K.A. Smith, Desiring the Kingdom: Worship, Worldview, and Cultural Formation (Baker Academic, 2009).

Michael Horton, A Better Way: Rediscovering the Drama of God-Centered Worship (Baker, 2002).

Mark Labberton, The Dangerous Act of Worship (InterVarsity, 2007).

John Jefferson Davis, Worship and the Reality of God: An Evangelical Theology of Real Presence (InterVarsity Press, 2010).





22 de fevereiro de 2012

Uma Carta Aberta às Bandas de Louvor

James K. A. Smith*


Prezada banda de louvor,




Eu aprecio muito a sua disposição e desejo de oferecer seus dons a Deus em adoração. Eu aprecio sua devoção e celebro sua fidelidade - se arrastando para a igreja cedo, domingo após domingo, arranjando tempo para prática no meio da semana, aprendendo e escrevendo novas músicas, e muito mais. Como os artistas e artesãos qualificados que Deus usou para criar o tabernáculo (Êxodo 36), você está disposta a colocar seus dons artísticos em serviço ao Deus Triúno.



Então, por favor receba essa pequena missiva no espírito a que se destina: como um incentivo para refletir sobre a prática de "liderar a adoração". Parece-me que muitas vezes você é simplesmente cooptada para uma prática sem ser incentivada a refletir sobre a sua lógica, sua "razão". Em outras palavras, parece-me que muitas vezes você é recrutada para "liderar a adoração", sem muita oportunidade de fazer uma pausa e refletir sobre a natureza da "adoração" e o que significaria "liderar".



Em particular, a minha preocupação é que nós, da igreja, involuntariamente temos encorajado você a simplesmente importar práticas musicais para o culto cristão que - embora possam ser apropriadas em outros lugares - são prejudiciais para a adoração congregacional. Mais explicitamente, usando a linguagem que empreguei pela primeira vez em "Desejando o Reino", eu às vezes me preocupo que nós inconscientemente tenhamos encorajado você a importar certas formas de performance que são, com efeito, "liturgias seculares" e não apenas "métodos" neutros". Sem nos darmos conta, as práticas dominantes de performance nos treinam a nos relacionar com a música (e com músicos) de uma determinada maneira: como algo para o nosso prazer, como entretenimento, como uma experiência em grande parte passiva. A função e objetivo de música nessas "liturgias seculares" é muito diferente da função e objetivo da música no culto cristão.

Então deixe-me oferecer apenas alguns axiomas breves com a esperança de encorajar nova reflexão sobre a prática de "liderar a adoração":



1. Se nós, da congregação, não pudermos ouvir a nós mesmos, não é adoração. O culto cristão não é um concerto. Em um concerto (uma "forma de performance" particular), muitas vezes esperamos ser esmagados pelo som, particularmente em certos estilos de música. Em um show, chegamos a esperar esse tipo estranho de privação sensorial que acontece a partir de uma sobrecarga sensorial, quando o bater dos graves em nosso peito e no banho de música sobre a multidão nos deixa com a adrenalina de uma certa vertigem aural. E não há nada de errado com concertos! Só que o culto cristão não é um concerto. O culto cristão é uma prática coletiva, comunitária e congregacional - e o som reunido e a harmonia de uma congregação cantando como um é essencial para a prática da adoração. É uma maneira de "executar" a realidade de que, em Cristo, somos um só corpo. Mas isso requer que nós realmente sejamos capazes de ouvir a nós mesmos, e ouvir as nossas irmãs e irmãos cantando ao lado de nós. Quando o som amplificado do louvor da banda supera as vozes, não podemos ouvir-nos cantar - assim perdemos esse aspecto comunitário da congregação e somos estimulados a nos tornar efetivamente adoradores passivos, privados.



2. Se nós, da congregação, não podemos cantar junto, não é adoração. Em outras formas de performance musical, músicos e bandas vão querer improvisar e "ser criativos", oferecendo novas interpretações e exibir o seu virtuosismo com todos os tipos de trinados diferentes e pausas e improvisações sobre a música recebida. Mais uma vez, isso pode ser um aspecto delicioso de um concerto, mas no culto cristão significa apenas que nós, da congregação, não podemos acompanhar. E assim o seu virtuosismo dá origem à nossa passividade, a sua criatividade simplesmente encoraja o nosso silêncio. E enquanto você pode estar adorando com a sua criatividade, a mesma criatividade realmente desliga a música congregacional.



3. Se você, a banda de louvor, é o centro das atenções, não é adoração. Eu sei que geralmente não é sua culpa que nós colocamos você na frente da igreja. E eu sei que você quer modelar a adoração para imitarmos. Mas porque temos encorajado você a basicamente importar formas de performance da sala de concertos para o santuário, nós podemos não perceber que nós também involuntariamente encorajamos um senso de que você é o centro das atenções. E quando o seu desempenho torna-se uma exibição de seu virtuosismo - mesmo com a melhor das intenções - é difícil combater a tentação de fazer a banda de louvor o foco de nossa atenção. Quando a banda de louvor vai para riffs longos que você pode pretender oferecer a Deus, a congregação torna-se totalmente passiva e, porque adotamos hábitos de relacionar com a música do Grammy e dos palco de shows, sem querer fazemos de você o centro das atenções. Gostaria de saber se pode haver alguma reflexão intencional sobre o posicionamento (para o lado? Levando por trás?) e performance que pode nos ajudar a combater esses hábitos que trazemos conosco para adorar.

Por favor, considere estes pontos com cuidado e reconheça o que não estou dizendo. Isso não é apenas algum apelo em favor do culto "tradicional" e uma crítica do culto "contemporâneo". Não confunda isso como uma defesa de órgãos de tubos e uma crítica de guitarras e bateria (ou banjos e bandolins). Minha preocupação não é com estilo, mas com a forma: O que estamos tentando fazer quando nós "lideramos a adoração"? Se formos intencionais acerca da adoração como uma prática congregacional comunitária, que nos leva a um encontro dialógico com o Deus vivo - que a adoração não é meramente expressiva, mas também formativa - então podemos fazer isso com violoncelos ou guitarras de aço, órgãos de tubos ou tambores africanos.

Muito, muito mais poderia ser dito. Mas deixe-me parar por aqui, e por favor receba este como o incentivo que está destinado a ser. Eu adoraria vê-lo continuar a oferecer seus dons artísticos em adoração ao Deus Trino, que está nos ensinando uma nova canção.

Muito sinceramente,

Jamie

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*James K. A. Smith é professor de Filosofia no Calvin College.

Essa é uma tradução livre. Confira o original em