Tempo Litúrgico: Ritmos e Cadências de Esperança
Antes mesmo que tomemos nossos assentos, podemos perceber o ambiente de culto. Em particular, podemos notar as cores que adornam o espaço. Aqui já nos deparamos com uma instância em que nosso exercício vai contra um limite, perdendo o que seria particularmente notável se tivéssemos uma série de fotografias do mesmo espaço ao longo de um ano. Veríamos as cores mudando ao longo do tempo: de um roxo escuro, real a um negro lamentoso para um branco cintilante e triunfante. A um ponto em que podemos ver o culto de adoração extinto nas trevas das sombras, o povo partindo em sóbrio silêncio e mais tarde voltar ao espaço cheio de luz. Faixas e bandeiras e imagens no espaço moveriam e mudariam. Em suma, somente o espaço de culto contaria uma história que realmente organiza o tempo -- uma indicação de que aqui reside um povo com um senso único de temporalidade, que habita um tempo que é desconjunturado do tique-taque do tempo comercial ou a forma padrão do ano acadêmico.
Embora visualmente representado na cor e ornamento do espaço de culto, isso é ainda mais integralmente refletido no formato das práticas -- no foco da oração, nas disciplinas espirituais que são observadas, em rituais únicos que acontecem anualmente em vez de semanalmente (por exemplo, o acendimento das velas do Advento ou a imposição das cinzas). Esse povo relaciona-se com o tempo de um modo que é único e peculiar, expresso no que é conhecido como o ano litúrgico ou o Ano Cristão. Se lemos as práticas do culto cristão, concluiríamos que os cristãos são pessoas cujo ano não mapeia simplesmente o calendário da cultura dominante. (...) Então, a distinta marcação do tempo que é integral à adoração cristã histórica estabelece um senso de que a igreja é um “povo peculiar”, e o calendário litúrgico já constitui uma matriz que funciona como uma contra-formação ao incessante padrão 24/7 de nossa cultura comercial frenética.
Como assim? O que é tão peculiar acerca do tempo cristão? Primeiro, o tempo aqui gira em torno de uma pessoa -- Jesus de Nazaré, um judeu do primeiro século que “padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado. Desceu ao Inferno. E no terceiro dia ressuscitou dos mortos. Subiu ao Céus.” O próprio Credo Apostólico situa Jesus no tempo, no reino histórico de Pôncio Pilatos. A igreja não é um povo reunido por ideias, ensinos ou ideais abstratos; ela é o povo reunido para a pessoa histórica de Jesus Cristo. A igreja é o povo do Messias que adora um Deus que invadiu o tempo e nele habitou, que sofreu nas mãos de regimes históricos, e que ressuscitou “no terceiro dia”. Reunidos como um povo para adorar o Messias, que não flutua em algum céu esotérico, ahistórico, mas que deixou um entalho no tempo -- e o fará novamente.
Segundo, como um povo messiânico, a igreja é um povo que habita o presente com uma certa leveza do ser. Se somos estrangeiros e peregrinos em território estrangeiro (1 Pedro 2.11), então somos também peregrinos em um tempo estranho -- que sempre se relacionará com o presente um pouco como um viajante no tempo (não consigo de livrar de imagens de Marty em De Volta para o Futuro). Resistindo a um presentismo que pode apenas imaginar “viver para o momento”, a igreja é um povo com uma orientação para o futuro profundamente enraizada, um hábito que aprendemos de Israel. Durante o Advento, anualmente, o ano cristão ensina-nos novamente a nos tornar Israel, reconhecendo nosso pecado e necessidade, e então esperando, ansiando, chamando, e orando pela vinda do Messias, o advento da justiça, e a irrupção de shalom. Atravessamos o ritual de desejar o reino -- um tipo de impaciência santa -- promulgando novamente o anseio de Israel pela vinda do Rei. A repetição disso ano após ano é um treinamento em expectativa (e é reproduzido cada semana do ano na celebração da Eucaristia, pela qual “proclamamos a morte do Senhor até que ele venha). Portanto, o Advento sacode-nos da complacência presentista na qual podemos ser embalados. Em vez disso, somos chamados e formados para ser um povo de expectância -- procurando pela vinda (novamente) do Messias. Somos um povo futural que não procura escapar do presente, mas que se sentirá sempre de algum modo desconfortável no presente, assombrado pelo quebrantamento do “agora”.
O futuro pelo qual esperamos -- um futuro onde a justiça corre como água e a retidão como um ribeiro perene -- paira sobre o nosso presente e dá-nos uma visão do para que trabalhar aqui e agora enquanto continuamos a orar, “Venha o teu reino”. A temporalidade da adoração cristã -- macrocosmicamente expressada no Ano cristão, microcosmicamente expressa em particulares elementos cada Domingo -- treina nossa imaginação para ser escatológica, ansiando não pelo fim do mundo mas para “o fim do mundo como o conhecemos”*. Em adoração, provamos “os poderes da era vindoura” (Hb 6.5), que suscita em nós um anseio pelo reino vindouro, porque esse gosto é também um pouco de uma provocação: ele dá-nos o suficiente de um senso do que está vindo que nós olhamos ao redor para nosso mundo partido e vemos todas as maneiras em que o reino ainda não chegou. “Vem, Senhor Jesus!” e “Até quando, Senhor?!” são orações de um povo futural.
Ao mesmo tempo, os ritmos do culto cristão e do ano litúrgico estendem-nos para trás. Eles são práticas de recordação -- outro hábito que aprendemos de Israel. Lembramos com gratidão os atos de redenção de Deus no êxodo (Sl. 78) e na cruz. Quaresma e Páscoa convidam-nos a voltar e lembrar o poder desencadeado na cruz e na ressurreição -- um poder que continua a irromper no presente (Fp. 3.10-11). O próprio Ano Cristão é uma antiga herança lembrando-nos de que somos parte de um povo que é mais velho que nosso presente, que somos herdeiros de uma tradição. Portanto, somos constituídos como um povo que vive entre dois tempos, lembrando e esperando ao mesmo tempo. A cada semana esse “estar no meio” é executado na Eucaristia, que convida-nos a “Fazer isso em memória de mim” e a fazer assim para “proclamar a morte do Senhor até que ele venha”. (...)
Há um sentido no qual os cristãos são treinados pela liturgia para ser um povo “que nasceu fora de tempo”, como Paulo diz de si mesmo (I Co 15.8). Isso não é porque somos tradicionalistas que servil e nostalgicamente anseiam pelas veredas antigas (Jr. 6.16). Contudo, há um senso profundo em que a igreja é o povo chamado para resistir o presentismo incorporado na tirania do contemporâneo. Somos chamados a ser um povo de memória, que é moldado por uma tradição que é milênios mais antiga do que as últimas paradas da Billboard. E somos chamados a ser um povo de expectativa, orando por e ansiando por um reino vindouro que irromperá sobre nosso presente como um ladrão na noite. Somos um povo estendido, cidadãos de um reino que é tanto mais velho quanto mais novo que qualquer oferedido pelo “contemporâneo”. As práticas do culto cristão durante o ano litúrgico formam em nós uma espécie de “alma velha” que é perpetuamente apontada para o futuro, ansiando por um reino vindouro, e buscando ser tal povo estendido no presente que é um antegosto do reino que vem.
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