Uma das melhores obras de teologia cristã escritas na década passada é Exclusion and Embrace (Exclusão e Aceitação), de Miroslav Volf, que conquistouo prestigiado prêmio Grawemeyer em 2002. Volf, que dá aulas na Escola de Divindade em Yale, defrontou-se, há alguns anos, com uma questão: como ele, um croata batista, poderia amar seu vizinho sérvio ortodoxo, depois das coisas terríveis que os sérvios haviam feito em seu país? Descobriu, com a ajuda de Jürgen Moltmann, que, caso não conseguisse responder a essa pergunta, a autenticidade de toda a sua teologia seria questionada. Quem nunca precisou enfrentar de perto esse tipo de dilema deve ficar surpreso com a perspicaz mente cristã de Volf lutando com um problema tão emotivo e pessoalmente envolvente, e encarando, no processo, algumas das maiores questões teológicas, culturais e filosóficas de nosso tempo.
O argumento básico de Volf é: seja nas relações internacionais ou pessoais, o mal deve ser identificado e confrontado. Não se pode esquivar-se ou fingir (seja para facilitar a vida ou para resolver a situação de forma mais rápida) que o que aconteceu não foi tão ruim assim. Só depois disso, quando o mal e o agente do mal são identificados pelo que são e pelo que fazem -- é isso que Volf chama de “exclusão” -- pode-se dar o segundo passo, rumo à “aceitação” daquele que me (ou nos) magoou e feriu profundamente. Claro que, mesmo assim, pode ser que a aceitação não aconteça, caso o agente do mal se recuse a ver seus atos sob essa ótica. Porém, se eu nomeei o mal e me esforcei ao máximo para oferecer perdão e reconciliação genuínos, estou livre para amar a pessoa mesmo que ela não queira corresponder.
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Pense um pouco na dinâmica interna do perdão. Talvez por conhecerem um pouco de psicologia pastoral, muitos leitores devem estar familiarizados com isso; no entanto, poucos o relacionam ao problema generalizado do mal. O fato é que, quando perdoamos, liberamos não apenas a pessoa do fardo de nossa ira e suas possíveis consequências, mas também a nós mesmos do fardo do que quer que tenham feito contra nós e do estado emocional debilitado em que viveremos se nos apegarmos à ira e amargura e não perdoarmos. O perdão -- de Deus para conosco, entre duas pessoas e até de nós mesmos -- é parte central da libertação do mal.
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Volf e outros [afirmam] que o reconhecimento do mal é o primeiro estágio rumo ao perdão, não uma alternativa a ele.
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O que devemos entender, com a máxima urgência, é que perdão não é o mesmo que tolerância. Ouvimos hoje, o tempo todo, que precisamos ser “inclusivos”; que Jesus recebeu todo tipo de gente; que a igreja acredita no perdão, e que por isso devemos casar divorciados sem questionar, recontratar funcionários demitidos por fraude e permitir que pedófilos condenados voltem a trabalhar com crianças… Normalmente não fazemos essa última afirmação, o que mostra pelo menos alguns vestígios de bom senso. Perdão não é o mesmo que tolerância. Não é sinônimo de inclusão. Não é indiferença, seja ela pessoal ou moral. Perdão não significa que não levamos o mal a sério. Na verdade, significa que o levamos bastante a sério. Para começar, implica uma determinação em dar nome ao mal e envergonhá-lo. Sem isso, não haverá o quê perdoar. Além disso, perdão quer dizer que estamos determinadosa fazer tudo que está ao nosso alcance para retomar um relacionamento adequado com o ofensor depois que o mal for tratado. Por fim, significa que decidimos, em nossa mente, que não permitiremos que o mal determine o tipo de pessoa que seremos. É isso o que significa perdão. É algo difícil de praticar e receber -- e difícil também no sentido de que, um vez em prática, ele é poderoso; diferente da falsa tolerância, que se limita a seguir a lei da menor resistência.
Gostaria de desenvolver um pouco mais esse ponto. Perdoar não significa não se importar, ou achar que não foi importante. Eu me importei, foi importante; caso contrário, não teria nada para perdoar, precisaria apenas ajustar minha atitude ao que aconteceu. (Hoje, ouvimos falar de pessoas que precisam ajustar sua atitude diante das coisas que antes achavam erradas. Porém, isso não é perdão. Se minha atitude para com alguém está errada e precisa ser corrigida, não perdoei ninguém; estou apenas dizendo que a pessoa não precisa de perdão, e, se alguém precisa, sou eu, por causa da minha postura anterior). Perdão também não é fingir que algo não aconteceu. Este aspecto é um pouco mais sutil, porque parte do ato de perdoar é comprometer-me a trabalhar no sentido de conseguir agir como se não tivesse acontecido. Aconteceu, e perdoar não implica fingir o contrário; é examinar bem o fato de que aconteceu e tomar uma decisão consciente, de vontade moral, de deixar a ofensa de lado para que ela não se torne uma barreira entre os dois lados envolvidos. Em outras palavras, o perdão pressupõe que o que aconteceu foi maligno e não pode ser considerado irrelevante. Fazer isso gera uma raiva reprimida e uma distanciamento cada vez maior entre pessoas, que já não confiam umas nas outras. É muito melhor colocar tudo sobre a mesa, seguindo a orientação do Novo Testamento, e lidar com os problemas.
N. T. Wright, O Mal e a Justiça de Deus, Ed. Ultimato, cap. 5
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