A Cabana certamente deve receber o crédito por apresentar uma tese ambiciosa e abrangente. Mas até que ponto devemos (ou podemos) rejeitar todas as hierarquias?A pergunta "Como alguém se torna igual a Cristo?" é uma versão cristã de uma pergunta mais geral: "Como alguém se torna uma boa pessoa?". Esta pergunta tem há séculos preocupado os pensadores. Muitos daqueles que têm pensado sobre a formação ética descobriram ser tentador recorrer às regras, como se alguém pudesse ser ético simplesmente seguindo as regras certas. Mas uma abordagem da ética ou da santificação meramente baseada em regras é reducionista e legalista. Entretanto, será que por isso podemos concluir que as regras e a priorização das regras não têm lugar na vida do discipulado? Afinal, quando Jesus foi indagado sobre as prioridades, ele identificou duas prioridades: "Amarás ão Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e todo o teu entendimento" (Mateus 22:37) e "'Amarás o teu próximo como a ti mesmo.' Toda a Lei e os Profetas baseiam-se nestes dois mandamentos" (Mateus 22: 39-40). Por isso, parece que não podemos simplesmente falar na jornada para a santidade como um relacionamento com Jesus, pois essa jornada é dirigida por estes dois princípios.
E quanto à visão de A Cabana sobre a Igreja organizada? Aqui, acho que precisamos ser especialmente cuidadosos, pois, afinal, a concepção do livro sobre a Igreja não é tão revolucionária; na verdade, parece incrivelmente com um típico "Protestantismo da Baixa Igreja". Como disse George Marsden: "Uma das características notáveis de grande parte do evangelicalismo é o seu descaso pela Igreja institucional"*. Como outras rejeições da Igreja Institucional, encontramos aqui tanto críticas violentas quanto soluções explicitamente simplistas. É certamente correto dizer que a Igreja é uma pessoa em um relacionamento especial com Deus, com o próximo e com o mundo. Mas isso não requer que marginalizemos a expressão institucional da Igreja. Não é possível que o mesmo Deus que fala através de experiências carismáticas espontâneas e encontros comunais íntimos na sala de estar da casa de alguém possa também atuar através da beleza do Livro do Oração Comum da Igreja Anglicana, da liturgia mística da Igreja Ortodoxa Oriental e até mesmo do austero Colégio dos Cardeais da Igreja Católico Romana (juntamente com o papa!)? Pode ser que uma rejeição categórica da hierarquia institucional represente uma reação exagerada ao abuso de poder em favor de uma suposição ingênua de que "tudo o que você necessita é amor"?
Nossas indagações continuam quando passamos a considerar a hierarquia no Estado secular. Afinal, Paulo parece afirmar que o Estado é um poder comandado por Deus: "Que todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por Ele instituídas" (Romanos 13:1). E certamente não é segredo que Paulo fez bom uso da autoridade e do status que derivou de sua cidadania romana (ver Atos 16:37; 22:25,28). Na verdade, a condenação total das hierarquias de autoridade e submissão em A Cabana não deixa claro se é permitido aos cristãos servir na polícia ou nas forças militares, ou nos ramos do judiciário, legislativo ou executivo do governo. (Se toda participação for negada, então A Cabana enfrenta as mesmas fragilidades contra-culturais do clássico anabatismo.) Mais radicalmente, ela deixa o leitor pensando se deve haver uma governança secular ou se o livro na verdade defende a anarquia (literalmente: ausência de regras)!
Qualquer tentativa de ir além das estruturas de autoridade e submissão enfrenta um enorme problema: não vivemos em um mundo perfeito. A crianças ainda precisam ser corrigidas pelos pais, a polícia precisa conter a desobediência civil, e exércitos inteiros podem ser ainda necessários para restaurar a regra da lei. Em termos práticos, como a A Cabana propõe que vivamos neste mundo? É importante notar que o livro deixa aberta a possibilidade de participarmos destas estruturas falidas. Como diz Papai: "Nós trabalhamos dentro dos seus sistemas, ao mesmo tempo em que procuramos libertá-los deles" (113). Desse modo, pode ser que Papai defenda que os cristãos continuem a participar das estruturas de autoridade e submissão que dominan o cenário político, econômico e social. Entretanto, se essa participação é permitida, não o é sem obrigação; ao contrário, os cristãos devem participar das estruturas de poder falidas com a intenção e o objetivo de redimi-las a ponto de a hierarquia de poder não mais existir. Para dizer o mínimo, se esta concepção fosse seguida consistentemente, transformaria o cristianismo em um agente radical de mudança social e política.
Randal Rauser, Encontre Deus na Cabana, pp.77-80.
"Se você alguma vez teve uma conversa sobre A Cabana, quer com um entusiasta ou um crítico, você vai querer convidar este teólogo qualificado e acessível para a conversa. Antes de você ter lido uma dúzia de páginas você vai saber porque é que precisamos de manter a companhia dos teólogos. Eles nos ajudam a manter as nossas conversas sobre Deus inteligentes, informadas, e pacíficas"
Eugene H. Peterson, Professor Emérito de Teologia Espiritual, Regent College, Vancouver, B.C.--------------------------------------------------------------------------------------------
Para os comentários:
1- Você acredita que as hierarquias de poder no casamento, na Igreja e/ou na sociedade precisam ser rejeitadas ou que devam ser reformadas? Se escolher a última opção, como seriam as hierarquias realmente transformadas?
2- Você concorda que a essência da Igreja está no relacionamento pessoal? Que implicações tem essa visão para as estruturas institucionais tradicionais, ofícios, práticas e missões da Igreja?