Em meio aos inúmeros temas e ênfases encontrados em todos os meios em que se produz e discute conhecimento, este blog de leitura surgiu ao mesmo tempo em que se consolidava sua orientação ou assunto básico.
Reflexo de uma busca pessoal, encontrei no marcador "ética da virtude" uma expressão para designar uma linha de raciocínio que faz a intercecção entre os conjuntos "Direito" (formação profissional) e "Teologia" (da espiritualidade/amadora), em que gasto a maior parte do tempo pensante.
O texto a seguir é um excerto do livro Sete pecados capitais, de Os Guinness. Depois que li o livro de Graham Tomlin, sobre o mesmo tema, achei que não precisaria buscar outro. Enganei-me. Incentivado pelo Ed René e pelo Vitor Carlos, li a introdução, de onde extraio as seguintes linhas:
"O outro ponto cego na discussão da ética corrente é a ignorância da tradição das "virtudes e dos vícios" - a mais profunda e influente tradição ética do Ocidente. Como o historiador W E. H. Lecky escreveu: os ensinamentos de Jesus são "uma agência que todos os homens devem, agora, admitir, por bem ou por mal, como a alavanca moral mais poderosa que jamais se aplicou às questões humanas". Essa tradição possui uma visão elevada da natureza humana e uma perspectiva profundamente realista da presença e do poder do mal. Antes de perguntar: "Que tipo de atitude devo ter?", pergunte: "Que tipo de pessoa preciso ser?". Dessa perspectiva, ser moral não é meramente aprender o que é certo. Até mesmo os psicopatas sabem o que é certo e o que é errado, mas, por causa da falta básica de solidariedade para com a humanidade, eles realmente não se importam em praticar o bem. Nessa tradição, ser moral significa traduzir o conhecimento do certo e errado em caráter e ação consistente. E, novamente, uma questão de se tornar uma boa pessoa, não somente conhecer o que é bom.
Ironicamente, a perspectiva realista do mal humano, dessa tradição, é uma declaração de esperança, não de desespero. O pecado não é somente a verdade bíblica mais verificável, mas o precursor urgente para a necessidade e milagre da redenção. Aqueles que possuem uma visão superficial do pecado, do mal e do vício correm um sério perigo de sofrer de arrogância intelectual. Conforme expresso por Henry Fairlie, jornalista de Washington: "Tenho refletido, há muito tempo, e visto que as explicações psicológicas do capricho de nossa conduta e as explicações sociológicas dos males de nossas sociedades chegaram bem próximo de um beco sem saída... E chegaram a esse impasse porque se esquivam do problema do mal".
Se não precisamos considerar seriamente a inclinação do homem para o mal, porque todo esse ato de consertar a nós mesmos e a nossas sociedades, ao longo dos séculos, foi de tão pouco proveito? Por que o século de maior conhecimento, mais esclarecido e mais avançado de todos - o século XX - é também o mais sombrio e o mais brutal? Será que não estamos, na verdade, regredindo? Como um presidente que anunciou que sua administração seria "a mais ética da história estado-unidense", pôde acabar por ser o mais corrupto e o mais corrompido? Para pessoas mergulhadas na tradição de virtudes-e-vícios, tais questões não são fúteis nem surpreendentes.
Cada geração tem sua própria classificação dos pecados, seja ela consciente seja inconsciente - os vitorianos, por exemplo, viam a preguiça e a libertinagem de forma exacerbada, enquanto a inveja e a avareza eram subestimadas. Mas uma das características que define nossa geração é a minimização de qualquer noção de pecado.
Hoje em dia, o conceito de "virtude", ou é mesquinhamente limitado (quase um sinônimo de castidade) ou piedosamente oco, e o conceito de "vício" possui um ar obsoleto ou levemente ridículo — se não fosse por um número crescente de pessoas sem capacidade de controlar seus impulsos físicos e psicológicos. Como disse um psicólogo: o florescer de grupos de auto-ajuda não é somente uma evidência do afastamento da atual tendência da psicologia, mas um testemunho não intencional à preeminência dos "vícios", visto que qualquer vício concebível tem suas respectivas reuniões secretas para freqüentar.
Em contraste à tradição de virtudes-e-vícios, a cultura moderna nos entrega uma licença para comer qualquer coisa que desejarmos, dormir com quem deseja fazer isso, rebelar-se contra qualquer coisa que nos frustre, atacar qualquer pessoa que nos tenha prejudicado e cruzar qualquer limite legal ou ético que não seja passívehde ser descoberto. No entanto, a resultante perda de domínio próprio é a parte crítica da crise cultural do Ocidente. E, também, uma lembrança urgente da importância de se ter um bom entendimento sobre as virtudes e os vícios.
E desnecessário dizer que uma coleção de textos sobre virtudes e vícios tem suas próprias armadilhas. Uma delas é que ética é mais que simplesmente conhecer as virtudes básicas e evitar os vícios mortais. (The New York Times Book Review e um programa especial da M TV trataram dos sete pecados capitais, mas nem um deles o fez com profundidade e realismo.) Um grama de virtude vale mais que toneladas de palestras sofisticadas sobre virtude.
Uma segunda armadilha é o perigo oculto do legalismo e do moralismo -em que "legalismo" significa reduzir a vida a regulamentos externos de comportamento, e o "moralismo", a remoção da graça de uma questão e a redução das várias dimensões da vida a uma: a moralidade.
A terceira armadilha é reduzir a vida virtuosa ao que Dallas Willard, competentemente, chama de "administração do pecado" - para os liberais, isso significa somente a remoção de males sociais; e, para os conservadores, somente o perdão dos pecados individuais. Ao contrário, a vida virtuosa é uma questão que diz respeito à capacidade de as pessoas serem boas, em vez de meramente conversar sobre as virtudes.
Após afirmar isso, vemos que para o renascimento da "boa sociedade", do qual tantas pessoas falam, é fundamental o retorno à abandonada tradição clássica das virtudes e dos vícios. (No mínimo, a "boa sociedade" é uma sociedade equilibrada e favorável à bondade de seus cidadãos.) Assim, lutar com a dinâmica das virtudes e dos vícios é importante quer para qualquer sociedade quer para uma sondagem pessoal de cada um de nós.
Este livro deveria, talvez, conter uma advertência de um chefe da saúde pública: "Esta matéria pode ser prejudicial à complacência pessoal e à auto-satisfação". Mas, embora seja desafiador, o efeito malha fina só pode ser proveitoso. E preciso conhecer as virtudes fundamentais e os vícios mortais, pois estes provêem diretrizes morais essenciais para nós como pessoas modernas. Em uma época de extrema confusão moral; um entendimento claro das virtudes e dos vícios nos ajuda a navegar através do caos. O exercício moral pode ser desafiador, como também o exercício físico: não há bônus sem ônus."
Nossa, Dliver! Achei o máximo essa citação! Instigante!
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