23 de agosto de 2010

Agostinho contra o pelagianismo

Por mais importantes que tenham sido as polêmicas contra o maniqueísmo e o donatismo, elas nem se compararm à batalha de Agostinho contra o pelagianismo. Pelágio, um respeitável leigo britânico, era um conhecido escritor e professor das primeiras décadas do século V. Tinha uma visão bem mais otimista da natureza humana que Agostinho; otimista demais, como ficou provado. Pelágio queria que as pessoas progredissem em perfeição, abandonando as doutrinas debilitantes da Queda e da pecaminosidade inerente. Escreveu um panfleto chamado Sobre a natureza, que procurava desacreditar a doutrina da depravação e do pecado humano e exaltava a capacidade e as virtudes humanas. Em termos modernos, um retrato otimista do potencial humano, um retrato da raça humana amadurecida.

Agostinho ficou enfurecido. Respondeu com um tratado maior, Natureza e graça, no qual insista em que a confiança no potencial humano somente nos isola de um diagnóstico preciso da depravação humana. Dessa forma, ele estabeleceu o alicerce para seu famoso ensino sobre o pecado original, a saber, a convicção de que os seres humanos são totalmente incapazes de ações virtuosas por si mesmos, e necessitam urgentemente da graça salvífica que vem fora deles.

O ensino de Agostinho sobre a pecado original é, em poucas palavras, o seguinte: Somente anjos e seres humanos têm livre-arbítrio racional. Embora eles possam existir sem ser maus, somente eles podem ser maus (já que somente eles possuem livre-arbítrio racional). Adão, o primeiro ser humano, escolheu o mal, uma escolha intencional, feita com o uso da razão. No nível mais fundamental, seu pecado foi o pecado do orgulho: o desejo da criatura de estar no centro, no lugar de Deus. E o pecado de Adão manchou todos os seres humanos com o pecado. Todos nós participamos da falência da sua perda de posição, da sua incapacidade de escolher Deus, do seu desejo de estar no centro, no lugar de Deus. Não podemos nos recuperar dessa queda por nossos esforços, pois qualquer esforço de nos livrarmos por nós mesmos é anulado é anulado pelo fato de provir de nosso contínuo interesse por nós mesmos; assim, enlameamo-nos mais ainda no pântano do orgulho. Ainda somos livres, mas agora só somos livres para pecar, não para nos voltarmos para Deus. Só podemos ser resgatados de nossa impotência pela graça de Deus agindo em nosso favor. Dessa forma, nascemos do alto, uma ação divina realizada somente em Jesus Cristo e por meio dele, que é Deus encarnado, plenamente Deus e plenamente humano.

A solução para o problema do pecado original, sustentava Agostinho, não é mais educação, nem ambiente melhor, nem melhor auto-aperfeiçoamento; é sim, a salvação iniciada por Deus e cheia de graça: a redenção, a justificação e a santificação somente em Jesus Cristo.

Em sua ênfase no pecado, na depravação e na graça, Agostinho nunca rejeitou a responsabilidade humana e a cooperação com a iniciativa divina. Ele abriu confiantemente um caminho entre a iniciativa humana independente e a passividade total, afirmando em síntese:

Sem Deus, não podemos, 
Sem nós, ele não fará.

De um lado desse caminho, há o abismo do quietismo e do antinomismo: a convicção de que não podemos fazer absolutamente nada e de que aceitamos o processo de redenção em completa passividade. De um lado, o abismo do pelagianismo e do moralismo, a argumentação de que tudo depende de nós e que o crescimento humano na virtude ocorre por nossas próprias forças. Entre esses dois abismos, está o caminho da graça disciplinada: a iniciativa e a obra vêm inteiramente de Deus, e nós agimos em resposta a Deus e em cooperação com ele. Certa vez, pregando sobre a graça, Agostinho declarou: "Aquele que o criou sem sua ajuda não o salvará sem sua cooperação"*.

A batalha com Pelágio foi longa e complicada, mas no final Agostinho se saiu vitorioso. As convicções pelagianas sobre a bondade inata da natureza humana foram condenadas como heréticas nos concílios da igreja em Cartago e Mileve em 416 d. C., e essa decisão foi reiterada em Cartago, em 418. Agostinho foi um triunfante defensor da ortodoxia cristã, que, embora ferido, saiu vitorioso. (Espero que você tenha notado como esses três '-ismos' são contemporâneos. Nossas batalhas hoje são quase as mesmas.)

Richard Foster, Rios de Água Viva
Ed. Vida, p. 277-279

Um comentário:

  1. "Muitos temem que se os seres humanos não forem considerados essencialmente "podres", e, portanto, podres em si mesmos, estaria se abrindo uma brecha para a concepção de que eles são bons em essência e em si mesmos -- e, assim, justos e meritórios. Essa foi a disputa travada entre Pelágio e Agostinho de Hipona muitos séculos atrás, e que vem sendo revisitada com frequência na história cristã. A discussão envolve muitas questões importantes que não podem ser tratadas aqui por completo.

    É preciso deixar claro, no entanto, que é o valor dos seres humanos, e não a sua justiça, que está vinculado à sua natureza. Coisas de grande valor ainda assim podem ser perdidas, e com certeza o são. Possuir um grande valor não significa que algo não esteja perdido, apesar de estar são e salvo. A "depravação" não se refere de modo próprio à incapacidade de agir, mas à falta de disposição para agir e claramente à incapacidade de merecer.


    Dallas Willard, A Renovação do Coração, p. 96

    ResponderExcluir