"Estamos juntando forças para pensar e agir sobre um assunto muito importante: o infanticídio praticado em etnias indígenas brasileiras, sem que seja dado à família ou povo condições de diálogo sobre o assunto, na busca por outras soluções para as questões culturais que motivam tais fatos", diz o missionário Ronaldo Lidório.
A ONG ATINI (Voz pela Vida) tem se proposto a discutir o infanticídio com o indígena e colaborar para a superação deste tabu social. Os elementos culturais que motivam o ato são dos mais variados em distintas etnias.
Entre os Yanomami seria a promoção do equilíbrio entre os sexos. Entre os Suruwahá, a deficiência física. Entre os Kaiabi, o nascimento de gêmeos (sendo que a primeira criança é preservada), e assim por diante.
Este não é um assunto exclusivo de nosso país. Na África, centenas de etnias praticam o infanticídio. Muitos Konkombas de Gana, motivados pela subsistência, alimentam apenas as crianças mais fortes. Os Bassaris do Togo sacrificam as crianças que nascem com deficiência. Os Chakalis, da Costa do Marfim, o fazem por privilegiar o sexo masculino. Na China, há amplo aborto de bebês do sexo feminino, por preferirem os meninos. Em dezenas de países, o Estado e a sociedade têm se voluntariado para refletir sobre o infanticídio e tratá-lo à luz dos Direitos Humanos Universais. No Brasil ainda temos uma caminhada pela frente.
A ONG ATINI tem também distribuído amplamente a cartilha "O Direito de Viver" em mais de 50 etnias indígenas, gerando assim o ambiente necessário para o indígena brasileiro refletir sobre as questões ligadas ao infanticídio e outros atos nocivos à vida, dignidade e sobrevivência.
A Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em Brasília, promoveu uma audiência pública dia 5/9 para discutir o assunto como passo preparatório para a votação da lei Muwaji que regula e promove o diálogo construtivo pró-vida com os povos indígenas em nosso país. É o Projeto de lei 1057/2007 que aguarda parecer de aprovação no plenário. Tenho participado deste debate em ambientes acadêmicos e políticos. Sinto que não podemos nos omitir.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada pela ONU em 1948, promulga que “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos” (Art. 1). Afirma também que “toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e segurança pessoal” (Art. 3). Continua declarando que “todos são iguais perante a lei e têm o direito, sem qualquer distinção, a igual proteção da lei (...) contra qualquer discriminação que viole a presente Declaração e contra qualquer incitamento a tal discriminação” (Art.7).
A disputa no mundo das idéias é travada com base em duas teorias opostas. O Relativismo (neste caso mais extremado, radical) e a Universalidade Ética. O Relativismo radical torna as culturas estáticas e estanques e as pretere de transformações autônomas, mesmo as desejadas e necessárias. O bem é o bem permitido na cultura, cultivado por ela. O mal é seu oposto. Este relativismo, praticado de forma radical, incapacita o indivíduo, qualquer indivíduo, de propor mudanças em sua própria cultura por entender a cultura como um sistema estático e imutável, um universo a parte, pressupondo que as presentes normas culturais são perfeitas em si. Nasce daí o purismo antropológico, que enxerga todo elemento cultural como relevante e absoluto, todo costume como funcional e toda prática como algo justificável, sem necessidade de avaliação ou contraste, mesmo pelo próprio povo.
A Universalidade Ética, por outro lado, pressupõe que os homens, povos e culturas fazem parte de uma sociedade maior que é a sociedade humana. E esta possui, em si, valores universais de moralidade como a dignidade, sobrevivência do grupo e busca pela continuidade da vida do indivíduo. Rouanet expõe que o homem não pode viver fora da cultura, mas ela não é seu destino, e sim um meio para sua liberdade. Levar a sério a cultura não significa sacralizá-la e sim permitir que a exigência de problematização inerente à comunicação que se dá na cultura se desenvolva até o seu descentramento. Este argumento nos leva a compreender que os conflitos são universais, como a morte, o sofrimento, a discriminação ou a repressão. Perante conflitos universais podemos compartilhar a mútua experimentação na busca de soluções internas. Ao conversar com um índio Tariano no Alto Rio Negro, depois de prolongada sessão de perguntas sobre o processo tradicional Tária de sepultamento, ele concluiu dizendo que “como vocês brancos devem também saber, não há morte sem dor”. A dor, universal, resultado de conflitos e mazelas também universais, pede soluções internas que devem ser compartilhadas em um diálogo construtivo.
Porém este não é um conflito puramente de idéias e teorias em um cenário antropológico. Lida com vidas, histórias e ambientes humanos.
Devemos reconhecer o direito de todo indivíduo de levantar-se contra os valores culturais experimentados pelo seu grupo e propor novas alternativas, especialmente nos casos em que há dano à vida, à dignidade ou à subsistência.
Devemos reconhecer que nenhuma cultura é estática ou isolada da sociedade humana. E que, pertencente a esta, partilha também os mesmos sonhos e conflitos. Que a ação dialógica, sob o manto da autonomia de cada povo, trás benefícios humanos que não estancam a vivência cultural pois práticas aceitas na atualidade remontam a decisões passadas, por critérios próprios ou adquiridos.
Devemos reconhecer que o Estado brasileiro deve tratar o infanticídio indígena de forma ativa, informando e dialogando com as sociedades indígenas em nosso país a respeito das alternativas para solução deste conflito interno, que isente a morte das crianças. Que garanta o direito de vida, criação e dignidade dos indivíduos, independente de seu segmento étnico.
Edson e Márcia Suzuki, etnolinguistas e missionários da JOCUM, colaboraram para a retirada de dois bebês da tribo Suruwahá em 2005 para tratamento apropriado em São Paulo, atendendo ao apelo dos pais. A retirada dos bebês os liberava do sacrifício por iniciativa da comunidade Suruwahá. Iganani, uma das crianças, chegou a ser deixada na mata para morrer mas foi resgatada pela mãe, por convencimento da avó. Tititu, a outra criança, quase foi flechada pelo pai que decidiu levá-la aos “brancos” a procura de ajuda. A mãe de Iganani chama-se Muwaji e explicitou seu desejo por ajuda. Desejava, a despeito da prática milenar comunitária de seu grupo, preservar a vida da sua filha. Os Suzukis, durante cerca de 20 anos vivendo entre os Suruwahá, contabilizam cerca de 28 casos de infanticídio no grupo. Este fato social, a preservação da vida por iniciativa indígena, de crianças que seriam sacrificadas na comunidade, abriu um precedente ético e comportamental entre os Suruawahá. É possível que percebam o que Pritchard chama de possibilidade de solução. Quando um povo, pela iniciativa de uma idéia ou ato, repensa suas soluções para o sofrimento e as adequa a práticas mais humanizadoras na cosmovisão do próprio grupo
Leia aqui o artigo “Não há morte sem dor - uma visão antropológica sobre a prática do infanticídio indígena no Brasil".
Minha sugestão é que você se interesse pelo assunto e ajude-nos nesta caminhada. Neste caso você pode:
1. Orar pelas oportunidades de debate sobre o infanticídio, como foi a da audiência pública no início de setembro. De forma especial, pela aprovação da lei Muwaji.
2. Se inteirar do assunto e compartilhar sua relevância e urgência com formadores de opinião e políticos de nosso país.
3. Veicular o artigo que envio em anexo em sites, jornais e revistas. Trata de uma visão puramente antropológica do infanticídio indígena brasileiro e tem como objetivo divulgar as bases teóricas e morais para o repúdio a esta prática, valorizando o homem, a vida e as sociedades indígenas.
4. Enviar uma mensagem de apoio à aprovação da Lei Muwaji para a relatora Deputada Janete Rocha Pietá pelo e-mail dep.janeterochapieta@camara.gov.br
5. Se envolver com a ONG ATINI, com sede em Brasília, que no momento provê assistência aos sobreviventes de tentativas de infanticídio e luta com diversos desafios práticos no dia a dia.
Que Deus nos guie e ajude.
Ronaldo Lidorio
Saiba mais sobre a ONG ONG ATINI clicando aqui.
+ O Relativismo Multicultural e o Infanticídio Indígena no Brasil
Acho isso simplesmente um crime contra a vida, se somos contra o aborto, porque deixar-mos essa prática ativa até hoje, abs a todos Luciano da dupla Humberto Diniz e Luciano
ResponderExcluirO infanticídio, tradição comum em algumas aldeias indígenas e pouca conhecida pelos homens brancos, provoca polêmica no país. Ainda hoje é possível encontrar índios que sacrificam crianças gêmeas, deficientes ou até filhos de mãe solteira.
ResponderExcluirhttp://bit.ly/aHTMbp
maria clara
ResponderExcluirassisti o programa domingo espetacular no dia 07/11/2010 sobre o infanticidio e fiquei chocada com tanta barbaridade com as crianças na qual nao tem como se defender tento uma morte cruel como aquela de ser enterrada viva , queria saber onde esta deus no coraçoes desta pessoas pois so cabe a Deus decidir se devemos morrer ou viver
Câmara aprova proibição do infanticídio indígena http://ow.ly/59Czp
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