Belos hinos tradicionais de Natal proclamam que Jesus nasceu. Agora que ele entrou em nosso mundo e em nossa vida, as coisas serão diferentes. Esse tema se estende ao longo das eras até o presente. Nenhuma pessoa instruída pode pensar de outro modo. Afinal, a transformação para o bem é a essência das "boas novas", não?
Nos dias de hoje, porém, deparamos com uma enorme decepção em relação ao caráter e às influências das pessoas e instituições cristãs e, pelo menos por implicação, da fé cristã e sua visão da realidade. Grande parte dessa decepção é expressa pelos próprios cristãos ao descobrirem que as crenças que professam "simplesmente não estão funcionando" nem para eles mesmos a seu ver, nem para aqueles ao seu redor. De acordo com os padrões normais de avaliação, pelo menos o que eles descobriram não "excede todas as expectativas". Os livros de "desilusão" constituem uma subcategoria da literatura cristã. A autoflagelação não desapareceu do repertório cristão.
Mas essa decepção também é expressa por aqueles que se encontram separados do cristianismo "visível" (que talvez não tenham nenhum conhecimento real da situação ou que "se cansaram") e por aqueles que se opõem abertamente à fé cristã. Muitas vezes, essas pessoas repreendem os cristãos usando valores do próprio cristianismo, criticando-os de acordo com padrões definidos por Jesus. É evidente que existe uma Grande Disparidade entre a esperança de vida expressada em Jesus — uma realidade na Bíblia e numa série de exemplos magníficos entre seus seguidores — e o comportamento diário, a vida interior e a presença social da maioria dos que se dizem seguidores de Jesus.
Assim, somos obrigados a perguntar: Qual o motivo dessa Grande Disparidade? Ela é causada por algo inerente à própria natureza de Jesus e por aquilo que ele ensinou e trouxe à humanidade? Ou é resultante de fatores secundários que foram se associando a instituições e indivíduos cristãos ao longo do tempo? Será que estamos vivendo numa época em que, por algum motivo, os cristãos em geral e a maioria de seus líderes não entenderam o cerne da questão?
Imagine que seu vizinho está sempre tendo problemas com o carro dele. Você pode concluir, talvez corretamente, que ele fez um mau negócio. Mas se você descobrisse que, de vez em quando, seu vizinho mistura água na gasolina, com certeza não culparia o carro ou o fabricante pelos problemas mecânicos. Diria que o carro não foi feito para funcionar sob as condições impostas pelo proprietário. E, sem dúvida, aconselharia seu vizinho a usar apenas o combustível apropriado. É possível que, depois de alguns ajustes, o carro voltasse a funcionar bem.
Devemos abordar as decepções atuais sobre a caminhada com Cristo de maneira semelhante. Ela também não foi feita para funcionar com qualquer tipo de "combustível". Se estamos completamente parados ou andando apenas aos solavancos, é porque não estamos nos dedicando a essa caminhada o suficiente para permitir que ela assuma o controle de toda nossa vida. Talvez ninguém tenha nos explicado o que devemos fazer. Talvez não saibamos bem qual é "nossa parte" na vida eterna. Ou talvez tenhamos aprendido a "fé e prática" de algum grupo, e não os princípios de Jesus. Ou, ainda, talvez tenhamos ouvido algo que está de acordo com os ensinamentos de Jesus, mas tenhamos interpretado incorretamente (um dilema que costuma gerar excelentes fariseus ou "legalistas" — um modo de vida muitíssimo difícil). Ou talvez acreditemos que o preço a ser pago para andarmos no "Caminho" é alto demais e estejamos tentando economizar (completando o tanque de combustível com a "água" do moralismo ou da religião de vez em quando).
Sabemos que o "carro" do cristianismo pode funcionar, e muito bem, em circunstâncias de todo tipo. Vemos isso — ou, pelo menos, quem assim o deseja pode ver — quando deixamos de lado as caricaturas e apresentações parciais e olhamos para o próprio Jesus e para suas várias manifestações em acontecimentos e personalidades ao longo da história e em nosso mundo atual. Ele é, simplesmente, o ponto mais brilhante do cenário humano. Não há concorrência. Até mesmo os anticristãos julgam e condenam os cristãos
de acordo com a pessoa e as palavras de Jesus. Ele não está escondido, mas deve sempre ser buscado para que possamos perceber sua presença manifesta em nosso mundo. Isso faz parte de seu plano e visa a nosso próprio bem. Se o buscarmos, ele com certeza nos encontrará e, então, nós também o encontraremos de maneira mais profunda. Essa é a existência bem-aventurada do discípulo de Jesus que não cessa de crescer "na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo" (2Pe 3:18).
Mas é justamente esse o problema. Quem, dentre os cristãos de hoje, é um discípulo de Jesus, em qualquer sentido substantivo do termo "discípulo"? Um discípulo é um aluno, um aprendiz — um praticante, mesmo que iniciante. O Novo Testamento — que deve ser nosso princípio norteador no Caminho com Cristo, deixa isso claro. Nesse contexto, os discípulos de Jesus são pessoas que não apenas adotam e professam certas idéias como também aplicam sua compreensão crescente da vida no reino dos céus a todos os aspectos de sua vida na terra.
Contrastando com isso, a suposição dominante entre os cristãos professores de hoje é de que podemos ser "cristãos" para sempre sem jamais nos tornarmos discípulos — nem mesmo no céu, pois, afinal, que necessidade teremos de ser discípulos no porvir? Onde quer que estejamos, podemos ver que esse é o ensinamento corrente. E essa é (com suas várias conseqüências) a Grande Omissão da "Grande Comissão", em que a Grande Disparidade se encontra firmemente arraigada. Enquanto a Grande Omissão continuar a ser permitida ou nutrida, a Grande Disparidade florescerá — tanto na vida de indivíduos quanto em grupos e movimentos cristãos. Logo, se cortarmos a raiz da Grande Omissão, a Grande Disparidade murchará, como foi o caso tantas vezes no passado. Não é preciso lutar contra ela. Basta parar de alimentá-la.
Jesus nos disse claramente o que devemos fazer. Temos um manual, como o do proprietário de um carro. Ele nos disse que, como discípulos, devemos fazer discípulos — e não convertidos ao cristianismo ou a um tipo específico de "fé e prática". Ele não ordenou que providenciássemos para que as pessoas pudessem "entrar no céu" ou "ter parte nos benefícios" depois da morte, nem que eliminássemos as diversas formas brutais de injustiça, tampouco que criássemos e mantivéssemos igrejas "bem-sucedidas". Todas essas coisas são boas, e ele falou sobre cada uma delas. Com certeza se concretizarão se — e apenas se — formos (seus aprendizes constantes) e fizermos (outros aprendizes constantes) aquilo que ele ordenou que fôssemos e fizéssemos. Se nos ativermos a isso, não importará muito o que mais faremos ou deixaremos de fazer.
Uma vez que nós, seus discípulos, tivermos ajudado outros a se tornarem discípulos (de Jesus, e não nossos), poderemos reuni-los em situações da vida diária, sob a presença sobrenatural da Trindade, formando um novo tipo de unidade social nunca antes visto na terra. Esses discípulos são os seus "chamados", sua ecclesia. Sua "caminhada" já se dá "nos céus" (Fp 3:20), pois os céus estão operando onde quer que nos encontremos (Ef 2:6). São essas pessoas que podem ser ensinadas a "obedecer a tudo o que eu lhes ordenei" (Mt 28:20). Ao se tornarem alunos ou aprendizes de Jesus, elas concordaram em ser ensinadas, e temos disponíveis os recursos para que isso possa acontecer de forma metódica. O resultado é sempre a vida que "excede todas as expectativas".
Dirigindo-se aos seguidores mais próximos, Jesus diz: "Foi-me dada toda a autoridade nos céus e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos" (Mt 28:18-20). Observamos na história do mundo os resultados alcançados por um pequeno grupo de discípulos que simplesmente obedeceram a essa ordem sem nenhuma "Omissão".
Nas igrejas ocidentais, sobretudo na América do Norte, as pessoas pressupõem irrefletidamente que a Grande Comissão de Jesus deve ser levada adiante em outros países. Essa idéia se deve, em parte, ao uso do termo "nações" para traduzir o grego ethne, quando uma tradução mais apropriada seria nossa expressão contemporânea "grupos étnicos" ou, ainda, "pessoas de todo tipo". Mas, na prática, isso nos leva a excluir as "pessoas de nosso tipo" do universo daqueles que devem ser transformados em discípulos de Jesus. Há até mesmo quem acredita que "nós" não precisamos de discipulado e que, para começo de conversa, nós estamos certos. Mas, na verdade, o principal campo missionário da Grande Comissão nos dias de hoje é constituído das igrejas da Europa e da América do Norte. Essas são as regiões em que a Grande Disparidade é mais visível e de onde ela ameaça se espalhar para o restante do mundo. Nossa responsabilidade é levar adiante a Grande Comissão exatamente onde estamos, e não apenas intensificar os esforços para obedecer à sua ordem em outros lugares. E se não começarmos aqui, também não seremos bem-sucedidos em levá-la adiante em outras partes.
É um erro trágico pensar que, ao partir, Jesus estava nos dizendo para começarmos igrejas, conforme a definição desse conceito nos dias de hoje. De tempos em tempos, pode ser apropriado começar uma igreja. No entanto, o objetivo de Jesus para nós é muito mais amplo que isso. Ele deseja que estabeleçamos postos avançados ou bases de operação para o reino de Deus onde quer que estejamos. É desse modo que a promessa de Deus a Abraão — de que por meio dele e de sua descendência os povos da terra seriam abençoados (Gn 12:3) — é levada a seu cumprimento. O efeito externo dessa vida em Cristo é uma revolução moral perene, até que o propósito da humanidade na terra tenha se cumprido.
Como discípulos de Jesus, fazemos parte, hoje, do projeto de Deus para o mundo. Mas é preciso lembrar sempre que a execução desse projeto é o efeito, e não a vida em si. A missão flui naturalmente da vida. Não é um acréscimo ao plano ou algo que pode ser negligenciado ou omitido. A vida eterna da qual fluem vários efeitos profundos e gloriosos é um relacionamento interativo com Deus e com seu Filho, Jesus, ha habitação interior do Espírito Santo. A vida eterna é a caminhada do reino, na qual, em unidade perfeitamente coesa, "[praticamos] a justiça, [amamos] a fidelidade e [andamos] humildemente com o [nosso] Deus" (Mq 6:8). Aprendemos a andar desse modo pelo aprendizado com Jesus. Sua escola nunca entra em férias.
Devemos enfatizar que a Grande Omissão da Grande Comissão não se refere à obediência a Cristo, mas, sim, ao discipulado, ao aprendizado com ele. A obediência virá como conseqüência do discipulado e também escaparemos das armadilhas de uma atitude julgadora e legalista em relação a nós mesmos ou a outros.
Talvez algumas pessoas se espantem com a idéia de que a "Igreja" — os discípulos reunidos — na verdade não precisa de mais pessoas, mais dinheiro, construções e programas melhores, mais ensino ou mais prestígio. Foi no período em que esses elementos se mostraram escassos ou inexistentes que o povo de Deus reunido, a Igreja, mais se aproximou de sua verdadeira essência. A única coisa de que a Igreja precisa para cumprir os propósitos de Cristo na terra é a qualidade de vida que ele torna real em seus discípulos. Com essa qualidade, a Igreja prosperará em tudo o que realizar ao longo do processo de tornar clara e disponível na terra a "vida que é vida de verdade". Sempre haverá muitas batalhas a travar, mas a luta não será mais contra a presença constante e sombria da Grande Disparidade e a ilusão de que ela é tudo o que Cristo tem a oferecer à humanidade.
Portanto, a maior questão que o mundo de hoje enfrenta, com todas as suas necessidades aflitivas, é definir se aqueles que são confessional ou culturalmente identificados como "cristãos" se tornarão discípulos — alunos, aprendizes, praticantes — de Jesus Cristo, aprendendo constantemente com ele como viver a vida do reino dos céus em todas as áreas da existência humana. Esses discípulos transcenderão as igrejas a fim de se tornarem a Igreja de Cristo — a fim de serem, sem força nem violência humana, seu exército poderoso lutando pelo bem no mundo, conduzindo as igrejas aos propósitos eternos de Deus? Esse, em termos de proporção, é o maior problema que o ser humano tem de enfrentar, cristão ou não.
É possível dizer alguma coisa que contribua para as transições para e dentro de um discipulado com Jesus Cristo? As páginas a seguir apresentam vários artigos publicados anteriormente que tratam do discipulado, das disciplinas espirituais e do crescimento e da formação espiritual. É quase impossível um leitor comum encontrar artigos desse tipo hoje em dia, mas há quem os considere de importância crítica em nosso tempo. Salvo pequenas revisões e adaptações, os textos são apresentados da forma como foram publicados originariamente. Há certo grau de repetição, uma vez que se tratam de artigos "ocasionais", com algumas variações de estilo. Alguns são voltados explicitamente para pastores, mas os princípios dizem respeito a todos os cristãos. Espero que esses detalhes não distraiam o leitor. Acrescentei ao final "Uma palavra de despedida", na qual procuro enfatizar a simplicidade dos "próximos passos" que podem orientar indivíduos e grupos na prática dos princípios apresentados.
As expectativas de Jesus a nosso respeito não são complicadas nem confusas. Em alguns casos, exigirão mudanças naquilo que estamos fazendo. Mas a Grande Comissão — o plano de Jesus para a formação espiritual, o crescimento da Igreja e o serviço ao mundo — é bastante óbvia. Então, mãos à obra! Ele proverá todo o preparo e apoio necessários. Não se esqueça: "Quando tudo falhar, siga as instruções".